domingo, 17 de janeiro de 2010

CANDIDATO DE CAUSAS OU DE FACTOS CONSUMADOS?

Admito que o anúncio da candidatura de Manuel Alegre não me surpreendeu. Era mesmo previsível. Em vez de se mostrar disponível para um debate à esquerda para a escolha de um candidato consensual e capaz de derrotar uma candidatura de direita, Alegre, com a insuportável arrogância intelectual que o tem caracterizado e quiçá crente de uma qualquer missão divina de "Salvador" da esquerda ou, talvez mais apropriadamente, "Pai dos povos de esquerda", apresenta a sua candidatura! Encheu a banheira de água quente, agitou-a com a mão e pretende ter sido criada a vaga de fundo que o levará a Belém...
Curiosa é a reacção de quem se diz à esquerda do PS. Desde logo o BE. É claro que o BE, aquele partido impoluto do jesuítico Louçã se precipita no apoio a Alegre! Curioso como o tradicionalista Alegre, adepto confesso da caça, aficionado declarado de touradas, profundamente conservador em tantas outras coisas, vai ser o candidato do BE! O PC, mesmo que ainda não o tenha dito, vai inevitavelmente apoiar Alegre, vai apoiar quem sempre se opôs à Reforma Agrária e a tantas outras políticas do PCP. E não é por esquecimento, até porque o PCP tem uma memória de elefante, sobretudo quando toca a eleições, tema em que costumam acabar sempre "de trombas".
A resposta é simples: É que ambos sabem que Alegre até poderá ser o candidato apoiado pelo PS, mas Alegre nunca será O candidato do PS!
E Alegre também sabe isso. Por isso quer garantir ser o candidato à esquerda, mesmo que para isso não seja o candidato da esquerda, pelo menos da esquerda moderna e democrática.
Alegre demonstrou ter medo. Medo de não ser o escolhido pela esquerda. Medo de que muitos ainda se lembrem de como dividiu a esquerda nas últimas presidenciais. Medo de que o argumento arrogante e um pouco repetitivo dos números da última eleição tenham tanto peso e significado como os obtidos por Otelo nas presidenciais a que concorreu. Medo de que o Partido Socialista e os seus militantes e apoiantes se inclinassem para outra solução para federar a esquerda. Por isso optou, como de costume, pelo facto consumado: "Eu já cá estou. A esquerda já está salva! " O pior que lhe pode suceder é alguém ainda se lembrar da sua poesia  e aparecer "alguém que diz não!" Mas Alegre sabe que o que está em jogo é muito elevado. Sabe que a esquerda não pode permitir mais um mandato da direita em Belém, sobretudo quando o actual inquilino se arroga como líder da oposição, por manifesta incapacidade da líder partidária da mesma.
Alegre julga poder vir a ser o líder da esquerda, através de Belém. Só que, ao contrário da oposição, a esquerda no poder tem líder. E uma das grandes mais-valias da esquerda em Belém, por todos reconhecida e bem protagonizada quer por Mário Soares, quer por Jorge Sampaio, foi a despartidarização do cargo, a não ingerência na esfera do Governo.
Talvez a ideia presidencial de Alegre seja a de um "Cavaco de esquerda". Não é a minha.
E até admito ter de vir a votar nele. Mas apenas se a esquerda democrática ceder à chantagem da política do "facto consumado" e se a eleição de um candidato de direita se perfilar no horizonte.
E nesse caso será sempre um voto útil e não um voto do coração.
Porque a esquerda não se proclama, vive-se do e no coração!

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

OS PILATOS DA ECONOMIA

A crise que atravessamos tem causado o fecho de muitas empresas e o desaparecimento de inúmeros empregos. No entanto, e a um ritmo semelhante, é responsável pelo surgimento de inúmeros Pilatos, que à semelhança do Perfeito romano apenas se destacam pela ligeireza com que dela lavam as mãos, como se de meros observadores externos se tratassem, quando na realidade são dela actores principais.

Ainda ontem Pedro Ferraz da Costa, antigo "patrão dos patrões" na CIP e que curiosamente tem abandonado o quase anonimato da criação de puros-sangues lusitanos a que se tinha remetido a medida que o mandato de VanZeller se aproximou dio fim, veio a público dizer que a economia portuguesa destruiu mais emprego e empresas que qualquer outro país da UE. Parece-me um "culpado" demasiado vago... E não perde tempo em propor um remédio, o mais previsível em Faraz da Costa: contenção salarial. Mas com pias intenções, claro... Não a de manter o nível de lucro dos (ou de alguns) empresários, mas sim a de diminuir o consumo.
Não quero sequer comentar esta estranha estratégia de retomar a economia através da diminuição do consumo... Quero apenas referir que Ferraz da Costa tinha obrigação de saber que muitos fechos de empresas e perdas de postos de trabalho não se devem, pelo menos fundamentalmente, à crise mas sim ao oportunismo e falta de escrúpulos de muitos patrões que se têm valido das suas "costas largas" para ilegalmente procederem ao fecho das empresas ou ao despedimento de trabalhadores.
Os números divulgados pela ACT são disso bem claros e Ferraz da Costa deveria ter a obrigação profissional de os conhecer e a seriedade intelectual de os referir.
Na mesma ocasião sobe de novo à ribalta João Salgueiro, o antigo presidente da Associação Portuguesa de Bancos e a mais recente visita assídua de Belém, que veio dizer que os portugueses estão a viver acima das suas possibilidades, esquecendo-se, também ele, de alguns elementos fundamentais para a compreensão do fenómeno, nomeadamente a facilidade com que a Banca, a que já presidiu, cria necessidades de consumo artificiais, concede crédito para elas e vai aumentando os plafonds desse mesmo crédito até aos limites do irreversível. Isto para não falar da nunca convenientemente explicada razão pela qual, em plena crise os bancos mantêm os seus elevados lucros quase inalterados, quando não mesmo os aumentam.
E continuou dizendo que, ou aumentamos a produtividade ou a alternativa será emigrar. Só não diz é para onde. Mas eu dou uma ajuda a decifrar o enigma. Atendendo a que a crise é global e afecta também os restantes países de destino habitual da emigração portugesa, restam os países para onde os apaniguados de Ferraz da Costa e João Salgueiro deslocalizam as empresas, ou seja, os países sem direitos sociais ou laborais.

Em suma, custa ver tantos Pilatos a lavarem as mãos enquanto as empresas e os trabalhadores portugueses são crucificados, num culto perverso ao Deus ganância.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

TRAGÉDIAS NATURAIS E OPORTUNISMOS HABITUAIS


Mais uma vez a natureza mostrou-se inclemente para com os agricultores, desta vez da região Oeste. A chuva, o granizo e sobretudo o vento, destruiram colheitas e estufas.

Como quase sempre acontece, os agricultores, enquanto esperam que o processo burocrático associado aos seguros (daqueles que os tinham), os indemnize dos prejuízos sofridos, que nalguns casos foram bastante elevados, deitaram mãos à obra de reconstrução das estufas, tentando salvar o que ainda pudesse ser salvo.

Até aqui tudo normal. Ao fim e ao cabo é a luta que desde o Neolítico o homem trava com a Natureza para dela extraír os seus frutos. Geralmente ganha, algumas vezes perde. Normalmente a comunicação social retrata e relata em grande pormenor a destruição, até porque todos sabem que "a tragédia vende", depois aproveita para umas alfinetadas aos governos, sejam eles quais forem, a pretexto dos atrasos na distribuição dos subsídios e, como entretanto outras tragédias ocorrem, a notícia acaba por se perder e as vítimas de ontem, após os seus "2 minutos" de celebridade, caiem no esquecimento dos media.

Só que neste caso algo de diferente se passou. Desde logo porque começámos a ser metralhados por notícias que acusavam a ACT de estar a impedir a reconstrução das estufas e de dificultar a recuperação no Oeste.

Acusação grave, para um organismo do Estado, com as responsabilidades da ACT. Acusação gratuita, reproduzida sem qualquer preocupação pela verdade por parte de alguma comunicação social totalmente irresponsável. O que se passa na realidade é bem distinto. O que os funcionários da ACT fizeram foi apenas fazer cumprir a lei e impedir que essa mesma reconstrução se verificasse em total desrespeito pelas mais elementares regras de Segurança e Saúde no Trabalho.

E em boa hora o fizeram. Foi graças a essa acção que nalguns casos se impediu que aos danos materiais causados pela natureza se juntassem danos pessoais causados pela negligência do homem.

Há também que dizer-se que as situações relatadas se passaram com uma minoria de horticultores. Mas foi exactamente essa minoria que por obra e graça de alguma comunicação social irresponsável e que não esconde o combate a este Governo, se viu quase transformada em maioria!.

Chegou-se ao cúmulo de, num jornal regional, se referir um horticultor que teria sido intimado pelos inspectores da ACT a apresentar documentação que, segundo ele, teria desaparecido com o temporal que provocou a destruição das estufas. E quais eram esses documentos? A notícia enumera-os: o mapa do horário de trabalho, o relatório anual de formação dos trabalhadores e o relatório anual de Segurança e Higiene no Trabalho. Se não fosse um caso tão sério seria caricato. O que tem a destruição das estufas a ver com o desaparecimento destes documentos? Acaso o mapa de horário de trabalho está afixado numa folha de couve dentro da estufa? O relatório anual de formação é arquivado num canteiro entre os morangos e as alfaces? E o relatório anual de SHT está debaixo do vaso dos coentros? O jornalista (?) não deveria investigar antes de escrever? Ou sabe muito bem o que escreve mas os intuitos são outros?

Parece-me que neste caso a intempérie para além de destruir estufas e colheitas veio também pôr a nu situações de incumprimento que de outra forma e atendendo aos exíguos meios humanos da ACT dificilmente seriam detectadas.

Curiosamente é a mesma comunicação social que vocifera contra as elevadas taxas de sinistralidade laboral existentes no nosso país e que acusa o Governo de pouco fazer para as combater, que agora aparece a dar voz e protagonismo aos incumpridores, principais responsáveis pela  manutenção desses números negros.

Que a ACT continue a desempenhar o seu papel e que os agricultores e horticultores cumpridores lesados sejam indemnizados e apoiados o mais rapidamente possível. Quanto aos outros, jogaram... e perderam. Mas não se pode ganhar sempre, sobretudo quando se aposta na impunidade e o que está em causa é o dinheiro de todos nós.

E se é verdade que temos de melhorar continuamente na prevenção das catástrofes naturais, não é menos verdade que temos igual obrigação de nos prevenirmos contra os habituais oportunistas que delas tentam tirar partido indevido.