Admito que o anúncio da candidatura de Manuel Alegre não me surpreendeu. Era mesmo previsível. Em vez de se mostrar disponível para um debate à esquerda para a escolha de um candidato consensual e capaz de derrotar uma candidatura de direita, Alegre, com a insuportável arrogância intelectual que o tem caracterizado e quiçá crente de uma qualquer missão divina de "Salvador" da esquerda ou, talvez mais apropriadamente, "Pai dos povos de esquerda", apresenta a sua candidatura! Encheu a banheira de água quente, agitou-a com a mão e pretende ter sido criada a vaga de fundo que o levará a Belém...
Curiosa é a reacção de quem se diz à esquerda do PS. Desde logo o BE. É claro que o BE, aquele partido impoluto do jesuítico Louçã se precipita no apoio a Alegre! Curioso como o tradicionalista Alegre, adepto confesso da caça, aficionado declarado de touradas, profundamente conservador em tantas outras coisas, vai ser o candidato do BE! O PC, mesmo que ainda não o tenha dito, vai inevitavelmente apoiar Alegre, vai apoiar quem sempre se opôs à Reforma Agrária e a tantas outras políticas do PCP. E não é por esquecimento, até porque o PCP tem uma memória de elefante, sobretudo quando toca a eleições, tema em que costumam acabar sempre "de trombas".
A resposta é simples: É que ambos sabem que Alegre até poderá ser o candidato apoiado pelo PS, mas Alegre nunca será O candidato do PS!
E Alegre também sabe isso. Por isso quer garantir ser o candidato à esquerda, mesmo que para isso não seja o candidato da esquerda, pelo menos da esquerda moderna e democrática.
Alegre demonstrou ter medo. Medo de não ser o escolhido pela esquerda. Medo de que muitos ainda se lembrem de como dividiu a esquerda nas últimas presidenciais. Medo de que o argumento arrogante e um pouco repetitivo dos números da última eleição tenham tanto peso e significado como os obtidos por Otelo nas presidenciais a que concorreu. Medo de que o Partido Socialista e os seus militantes e apoiantes se inclinassem para outra solução para federar a esquerda. Por isso optou, como de costume, pelo facto consumado: "Eu já cá estou. A esquerda já está salva! " O pior que lhe pode suceder é alguém ainda se lembrar da sua poesia e aparecer "alguém que diz não!" Mas Alegre sabe que o que está em jogo é muito elevado. Sabe que a esquerda não pode permitir mais um mandato da direita em Belém, sobretudo quando o actual inquilino se arroga como líder da oposição, por manifesta incapacidade da líder partidária da mesma.
Alegre julga poder vir a ser o líder da esquerda, através de Belém. Só que, ao contrário da oposição, a esquerda no poder tem líder. E uma das grandes mais-valias da esquerda em Belém, por todos reconhecida e bem protagonizada quer por Mário Soares, quer por Jorge Sampaio, foi a despartidarização do cargo, a não ingerência na esfera do Governo.
Talvez a ideia presidencial de Alegre seja a de um "Cavaco de esquerda". Não é a minha.
E até admito ter de vir a votar nele. Mas apenas se a esquerda democrática ceder à chantagem da política do "facto consumado" e se a eleição de um candidato de direita se perfilar no horizonte.
E nesse caso será sempre um voto útil e não um voto do coração.
Porque a esquerda não se proclama, vive-se do e no coração!
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