domingo, 11 de outubro de 2009

MATRIZ IDEOLÓGICA E COMPORTAMENTOS INCONSCIENTES

Hoje o dia vai ser de lufa-lufa.

Acordei de manhã bem cedo, fui votar e contribuir para o que espero venha a ser uma grande vitória da esquerda em Lisboa, com o António Costa e na minha Junta de Freguesia com o Zé Maria, e segui logo para o aeroporto, para apanhar o avião para Zurique e daí seguir para Lucerna, onde amanhã me espera uma reunião.
Já no aeroporto, comprei o jornal para ler na viagem. Comprei o Diário de Notícias. Já sentado na sala de espera dei por mim a reflectir sobre os comportamentos e atitudes que se adoptam quase sem se dar por isso. Isto porque me lembrei que, como tantos outros portugueses, democratas e de esquerda, saudei, quase com euforia, o surgimento do jornal "Público", cujo nascimento, ainda por cima, tive o privilégio de acompanhar um pouco mais de perfto que o comum dos cidadãos, já que nele estiveram envolvidos alguns amigos de longa data e de muitos combates pela democracia.
Relembrei que, durante muitos anos, comprar o Público era quase um ritual diário de saudação ao Sol: acordar, levantar da cama, lavar a cara, sair para comprar o Público e só então começar verdadeiramente o dia.
Tudo nele prometia. Desde logo o seu "Livro de Estilo", claramente inspirado no Livro de Estilo daquele que para mim é, senão o melhor, um dos melhores diários do mundo, o "El Pais".
Um esforço de reflexão lembra-me que, a partir de um dado momento, que não sei precisar bem qual, foi diminuindo o entusiasmo com que o comprava e a avidez com que o lia.
Cada vez mais se assistia a uma deriva à direita, à defesa de um neoliberalismo cada vez menos encapotado, a um eleger cada vez mais óbvio do Partido Socialista e dos seus dirigentes como alvos a abater, a uma abordagem da política nacional cada vez mais própria de um "Independente" que do "Público" que conhecíamos. Era cada vez mais clara a linha "Ti Belmiro".
Como vai longe a visão inicial do seu Livro de Estilo...
Torna-se, cada vez mais, o jornal da direita mais intelectual, daquela que se pretende culta e não se revê nas 25 páhinas de crimes e anúncios classificados de massagistas brasileiras do Correio da Manha (não é erro ortográfico, não está lá o ~de propósito).
E a um dado momento repara-se que já só se compra o Público para ler o Calvin e Hobbes na última página.
No interior, o desiquilibrio é total: artigos de criptocomunistas ressaibiados, e de neoliberais catedráticos convergem e fazem o pleno dos ataques (políticos e pessoais) ao Partido Socialista e aos seus dirigentes.
E como isso é pouco para se comprar um jornal, deixei de comprar o "Público".
Ao princípio tinha a desculpa de consultar a edição on-line. Mas, passado algum tempo, reparei que já nem essa consultava.
Já só lia com prazer o "Inimigo Público". E isso era muito pouco.
Falta motivação para a sua leitura porque, desde logo, oferece pouca credibilidade. Cada vez disponibiliza mais "opinião publicada", e sempre do mesmo quadrante, e cada vez menos contribui para a "opinião pública".
Confesso que o email divulgado pelo Diário de Notícias não me surpreendeu. Apenas deu corpo à suspeita que há muito, genuinamente, crescia dentro de mim.
Mas magoou-me. Eu, como tantos outros, acreditámos no Público quando ele nasceu. E por isso sinto-me atraiçoado. A única penalização que posso dar ao Público é não o comprar. E não precisei de pensar expressamente nisso. A minha matriz ideológica, os valores de onde venho e nos quais me revejo, a defesa dos valores que defendo, há muito que me tinham ditado, inconscientemente, o comportamento a seguir.
Para a esquerda na qual me revejo, não pode haver controlo da comunicação social pelos governos. Mas este não é mais nem menos criticável que o controlo pelos grupos económicos ou pelas oposições.
A comunicação social só pode ser livre, mas tem de ser produzida por profissionais conscientes, probos e independentes e não por quem se julga acima de qualquer escrutínio.
Há que perceber que a política partidária se faz dentro dos partidos e a informação se faz nos orgãos de comunicação. A "mistura de sangues" pode matar a democracia ao retirar-lhe o oxigénio de que necessita para viver.
E cá vou eu para Zurique.

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