segunda-feira, 19 de outubro de 2009

PARIDADE OU EFICÁCIA?

Ouvi, com alguma preocupação, a notícia de que o Departamento das mulheres socialistas pretendia que o novo executivo respeitasse a regra da paridade, ou seja, 50% de homens e 50% de mulheres.
Parece-me tal ideia deslocada, bizarra e perigosa.
Considero fazer todo o sentido exigir o cumprimento de quotas, com tendência à obtenção da paridade total, no caso de orgãos de representação. (E mesmo assim a evolução dos tempos irá provavelmente levar-nos a uma situação em que a divisão estanque entre sexos se torne, se não discriminatória, pelo menos obsoleta).
Mas um Governo não é um orgão de representação. É um orgão executivo.
Mais que garantir que todos os grupos, extractos, sensibilidades, etc, estão nele representados, o que o país, e por maioria de razão, os apoiantes do Partido Socialista dele exigem é que governe bem.
Sejamos claros, a situação está longe de ser  favorável.
O país está mergulhado numa crise internacional, à qual o anterior governo do PS soube responder muito positivamente, mas muito há ainda a fazer até se poder dizer que "o pior já passou".
Ainda por cima o PS perdeu a maioria absoluta, sendo obrigado a governar numa situação que não se afigura nada fácil, sobretudo atendendo às características pouco responsáveis da oposição que temos.
O momento terá de ser marcado por um grande pragmatismo político.
Do novo Governo exige-se que governe bem, em diálogo q.b. mas sem se deixar amarrar pela indecisão.
Para isso terá de contar com os melhores, entre militantes socialistas e independentes disponíveis a colaborar.
Na prática o que quero dizer? Por exemplo, Ana Jorge tem forçosamente de continuar no governo, não por ser mulher, mas por ter feito um excelente trabalho à frente do Ministério da Saúde, conseguindo ultrapassar uma conflitualidade aparentemente insolúvel com o seu antecessor, e ainda por cima gerindo de forma superior a inesperada pandemia de Gripe A, potencialmente susceptível de aproveitamento político por parte dos sectores mais irresponsáveis da oposição.
Por outro lado, Maria de Lurdes Rodrigues não pode continuar no Governo, não por ser mulher, mas por esta nova etapa governativa exigir uma disponibilidade acrescida para o diálogo, disponibilidade essa que Maria de Lurdes não representou na última legislatura, quanto a mim mais por responsabilidade da sua equipa que por incapacidade sua, apesar da justeza da maioria das suas propostas.
Mas o mesmo se passa com os homens.
Vieira da Silva tem de permanecer no Governo, não por ser homem, mas por ser um dos políticos mais hábeis, competentes  e pragmáticos do Partido Socialista e ainda por cima ter uma imagem de seriedade acima de qualquer suspeita. Se, na actual crise, a nossa Segurança Social não colapsou, tal deve-se essencialmente à reforma que, em tempo, imprimiu à mesma. A mais elementar justiça obriga-me a reconhecer que essa reforma só foi possível graças ao sentido de responsabilidade da maioria dos parceiros sociais. No entanto todos concordarão que a ideia e o motor da reforma foi dele. E por isso terá de continuar no Governo, independentemente da pasta que ocupar.
Já Santos Silva não poderá continuar no governo, pelo menos na pasta que ocupa. Não por ser homem, mas porque a nova situação vai exigir uma nova atitude perante o Parlamento,. mais pragmática, mais elástica e quiçá menos "ideologicamente pura". Tal não retira em nada à qualidade e ao mérito de Santos Silva, e muito menos à sua generosa entrega ao ideário do Partido Socialista. Significa apenas que há que ter presente que "novos problemas exigem novas soluções e que para muitas das novas soluções há que encontrar novos protagonistas".
Numa metáfora futebolistica diria que ninguém duvida do mérito e da qualidade de Cristiano Ronaldo, mas ninguém perceberia, nem aceitaria, que o treinador o fizesse entrar em campo para substituir um defesa central.
Penso que as mulheres socialistas deveriam ter esta reflexão em atenção.
O ser de esquerda não é forçosamente o defender, de maneira cega, interesses particulares, sejam eles corporativos ou de outra ordem. Não porque os interesses corporativos sejam, por si só, negativos ou condenáveis. Bem pelo contrário. Geralmente são até muito meritórios e justificáveis. Até ao momento em que colidem com os superiores interesses do colectivo.
E acho que é o que acontece neste caso.
Sejamos claros, O próximo governo irá ser julgado pela qualidade das suas medidas, pelas consequências das mesmas, pelo seu efeito sobre a qualidade e as condições de vida e de trabalho das portuguesas e dos portugueses, e não pelo número de mulheres que dele fizerem parte.
Há que perceber que, mesmo com um governo maioritariamente constituído por mulheres, se as políticas forem más e as suas consequências negativas, as próprias mulheres portuguesas condená-lo-ão nas urnas.
O momento é de pragmatismo e não de finca-pés pretensamente ideológicos.

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