No meu último post expus as linhas gerais do que julgava serem os critérios a ter em conta na escolha do novo elenco governativo por parte de José Sócrates.
Confesso que excedeu as minhas melhores expectativas.
É um governo de diálogo mas, ao mesmo tempo, um governo claramente alinhado com um ideário social, um governo da esquerda moderna e democrática, um governo com sensibilidade e responsabilidade.
José Sócrates, felizmente, não cedeu à tentação fácil de fazer umas modificações meramente cosméticas.
Os ministros que "tinham" de ficar, pela sua competência, pela sua "tarimba" política e pelo seu claro alinhamento por uma política de esquerda e com sensibilidade social, ficaram. Foi o caso de Vieira da Silva, que transita para a nevrálgica pasta da economia que, pelo menos aparentemente, se aproxima, em importância, da das finanças. Teixeira dos Santos, um dos obreiros, juntamente com Vieira da Silva, da resistência das nossas endemicamente frageis finanças à fase mais crítica da crise internacional que não nos poupou, Ana Jorge, responsável pelo regresso ao clima de diálogo na saúde, pela sobrevivência do SNS e pela eficácia na resposta à pandemia de Gripe A. Santos Silva. o homem dos combates de esquerda, mantém-se, para desespero dos analistas da direita que bem gostariam de ver o seu desaparecimento de cena como um sinal inequívoco da cedência de Sócrates à pressão externa e à negociação casuística e a qualquer preço de apoios pontuais no Parlamento. É no entanto um caso que vou esperar para ver. O meio castrense tem um código muito próprio, uma linguagem e timings por vezes difíceis de entender por quem está de fora. A frontalidade e coragem política de Santos Silva podem ser positivamente apreciadas pelos militares. A sua irredutibilidade e aparente pouca abertura para aceitar as "especificidades" e compreender a hierarquia de "valores" dos militares pode ser um factor de conflito. Veremos o que o tempo e alguns dossiers mais "quentes", como o dos submarinos, nos reserva.
Saiem os ministros que, independentemente do seu valor, constituiam um obstáculo ao diálogo, fruto de um exacerbar de crispações que, em devido tempo e por vezes por manifesta inépcia de secretários de estado e outras segundas linhas, criaram situações praticamente irreversíveis de conflitualidade. Foi o caso de Maria de Lurdes Rodrigues, ou de Jaime Silva, ou mesmo de Alberto Costa.
Há entradas extremamente positivas: a de Isabel Alçada para a educação por exemplo (espero que seja editada daqui a uns anos "Uma Aventura no Governo", já que nessa série há sempre finais felizes e uma mensagem muito positiva). Julgo ser alguém com capacidade para voltar a ouvir os professores e com eles negociar, num clima de diálogo que não revele demissão mas também não seja pautado pela arrogância e autismo. E para isso espera-se que conte com secretários de estado à altura.
Ou a de Alberto Martins, habituado à negociação parlamentar e por ela reconhecido. Um homem cujo código genético de esquerda é bem visível, mas para quem o diálogo não é apenas "uma forma de entreter", um mero exercício de retórica parlamentar, mas uma via para resultados e progressos.
Também a entrada de Gabriela Canavilhas é um facto notável. Num país onde poucos falam de cultura e menos ainda "a fazem", Gabriela Canavilhas está entre estes últimos. Veja-se o excelente trabalho que está a protagonizar nos Açores...
Mas o grande trunfo, a grande novidade deste governo foi, sem dúvida, a nomeação de Helena André para o Trabalho e Segurança Social.
Para a maioria será uma desconhecida. Mas para a maioria dos que a conhecem é uma escolha de mestre, uma nomeação mais que merecida, uma aposta num modelo verdadeiramente social de governação, a mais clara opção de esquerda deste governo.
Em Bruxelas há muitos anos, era a mais que provável futura secretária-geral da Confederação Europeia de Sindicatos, da qual é hoje vice-secretária-geral, tendo sido o nome mais votado no último Congresso da Confederação. E essa votação corresponde a um reconhecimento do seu valor, quer técnico quer intelectual, quer moral, que transcende em muito as fronteiras do mundo sindical.
Entre outras coisas foi ela que chefiou a delegação sindical às negociações do diálogo social europeu em Bruxelas, com a confederação patronal europeia, que culminaram na assinatura de acordos históricos como sejam o do teletrabalho, o do stress no local de trabalho, ou o da violência no local de trabalho.
Esteve sempre em todos os grandes combates dos últimos anos do movimento sindical europeu e mundial. Sempre com uma postura de diálogo, extremamente séria mas sem abdicar dos princípios.
É por isso reconhecida quer, obviamente, pelo movimento sindical, quer também pelos governos dos Estados-membros, pela Comissão Europeia e, pasme-se, pelo patronato europeu representado na Eurobusiness.
São por isso ridículas as afirmações de Van Zeller ao afirmar que a nomeação de um sindicalista para o governo faz-nos regressar ao PREC! É o tipo de afirmações que a sua confederação, a CIP nunca se atreveria a fazer em Bruxelas mas faz aqui, para consumo interno dos sectores mais reaccionários de um patronato que a CIP teme perder. Aliás está na linha de alguma actuação da CIP que, em Bruxelas, assina acordos como os do diálogo social que anteriormente referi, e depois aqui em Portugal não os implementa. É lamentável. Mas na linha e com o valor relativo de quem as profere.
Como lamentáveis foram algumas afirmações de Carvalho da Silva que, talvez pressionado pelos ortodoxos da CGTP e do PCP, lembrou a origem sindical de Helena André, a UGT, como se isso fosse um crime, escamoteando o facto de há mais de 10 anos ocupar cargos na CES e não na UGT, ocultando a realidade de, no desempenho desses cargos, Helena André ter sempre tratado as duas centrais sindicais portuguesas em pé de igualdade (coisa que em Bruxelas os PCs nunca fazem), e nunca se referindo às qualidades pessoais, técnicas e políticas de Helena André que Carvalho da Silva bem conhece.
Ainda por cima Carvalho da Silva acaba por "dar um tiro no pé" ao dar a entender que, pelo simples facto de vir do movimento sindical, Helena André não deveria integrar o elenco governativo. Isso é uma certidão de menoridade atribuída a todos os dirigentes e activistas sindicais por parte de quem se apresenta como o maior defensor do sindicalismo nacional.
Pode ser que um dia Carvalho da Silva seja confrontado com estas suas afirmações numa posição distinta. Perceberá aí a diferença entre dogma e valor.
E tenho a certeza de que nessa altura, os comentários de Helena André, se for chamada a fazê-los, se debruçarão mais sobre as qualidades de Carvalho da Silva do que sobre a sua origem ou sobre o percurso que encetou para chegar onde estiver nessa altura.
Em suma, para mim Helena André é A grande "aquisição" deste Governo e não precisou de se socorrer de quotas ou paridades para chegar onde chegou.
Assim a deixem fazer...
Sem comentários:
Enviar um comentário